quarta-feira, 5 de novembro de 2014

“Novos baianos passeiam sob o céu cinza de Sampa”

Por: Saulo Assis

São Paulo: Avenida Paulista / Foto: Saulo Assis
Mais jovens e melhor qualificados, as características de quem sai do Nordeste para São Paulo na tentativa de conseguir oportunidades melhores de trabalho têm mudado ao longo das décadas 

Estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) - em 2010 - revela que desde 2008 há uma redução significativa do fluxo migratório no Brasil. Além disso, junto a esta redução migratória, há, também, uma mudança profunda no perfil do migrante. 

A pesquisa aponta que, no ano de 2008, 62% das pessoas que partiam do Nordeste rumo ao Sudeste eram jovens, com idade entre 18 a 29 anos, e que se encontram numa situação mais favorável no que se refere à formalização do trabalho e da formação profissional, ou seja, estavam aptos a ocuparem vagas que exigem qualificação, e não pertenciam mais ao mercado de trabalho informal, quadro bem diferente de anos atrás.

Essa transformação é perceptível hoje em muitos pontos de São Paulo, seja no centro ou na periferia da cidade. É comum encontrar histórias de jovens nordestinos que, ou já saíram de seus Estados, qualificados para exercer alguma profissão que exige formação, ou se capacitaram poucos anos depois de instalados na capital paulista. 

A enfermeira Bibiane M. Soares, 27, saiu da cidade de Vitória da Conquista, no interior da Bahia, onde nasceu, há cerca de três anos. Já graduada, veio para São Paulo com planos de se especializar em geriatria, área em que atua, para depois retornar a sua terra natal. 

Conseguiu estágio no hospital Albert Einstein, em que foi efetivada, e onde trabalha há quase dois anos. Embora sinta saudades da família, sobretudo da mãe, com quem diz ter uma relação de forte cumplicidade, não pensa mais em voltar de maneira definitiva para a Bahia, e sim para, somente, passar férias. 

Hoje, já bem colocada e adaptada em SP, acha que tem ainda muita coisa a conquistar e a aprender na metrópole. “Existe um universo de oportunidades e possibilidades a ser descoberto aqui, e me sinto feliz em ter dado o primeiro passo para alcançar o que quero”, completa com entusiasmo a enfermeira. 

O também baiano, Mário Teles, 25, chegou a São Paulo em meados de 2011, com apenas o ensino médio completo, obrigando-o a ocupar qualquer vaga de emprego que aparecesse para se manter. Teles conta que no início foi tudo muito difícil. Dormia poucas horas por dia, ganhava pouco e, além de tudo, teve que trabalhar com o que não gostava. 

Seu primeiro emprego foi numa empresa de telemarketing, onde permaneceu por alguns meses antes de conseguir uma vaga como manobrista no centro da cidade. A mudança de emprego lhe garantiu um dinheiro a mais e, a possibilidade de fazer uma faculdade. Logo soube que estudar seria o caminho para não se ver obrigado a desempenhar funções que não lhe agradavam. 

Entrou para o curso de Direito na Uninove, no final de 2012, e um ano depois estava no IPEM (Instituto de Pesos e Medidas), como estagiário. Continua exercendo a mesma função, mas traça projetos de evolução na carreira profissional e se prepara para a prova da OAB, que fará ainda daqui a três anos. “Se quiser passar, tenho que começar a me preparar desde já, com o máximo de antecipação possível, pois sei que não é nada fácil”, diz ele. 

Esses dois nordestinos têm em comum o fato de fazerem parte de uma estatística que aponta uma nova face no perfil de quem se aventura pelas estradas do país, em busca de alternativas e ambições de vida que, geralmente, em suas cidades de origem, não encontram. 

São Paulo, desde sua rápida urbanização e industrialização, a partir de 1960, sempre foi um celeiro de oportunidades de trabalho e uma atração à maioria das pessoas que se deslocaram no decorrer da metade do século 20. 

O fato é que o Brasil de 1960, por ainda ser majoritariamente rural e pobre, tem como traço marcante a migração de grupos sem o mínimo de formação educacional ou técnica, que por isso, se limitavam a ocupar as vagas de menor qualificação. 

Ao longo desses anos, esse quadro veio mudando. Primeiro, com a prosperidade das populações, e segundo, com a consequente diminuição da pobreza nas regiões brasileiras, o que favoreceu a melhora na condição de vida e estrutural de famílias que antes, não tinham condições mínimas de subsistência, como sugere o economista Paul Singer, no livro “Modernização, Ditadura e Democracia” (2010).

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