segunda-feira, 10 de novembro de 2014

“Saudades do sol de lá”

Por: Saulo Assis
Pedro e sua esposa Clarice Barbosa / Foto: Saulo Assis
(...) Pedro Lima, 55 anos 

Saí do Nordeste em 2005, morei em Pernambuco toda a minha vida e esse era o único mundo que eu conhecia. Por lá, eu já havia tentando muita coisa para sustentar minha família: fui vigia, vendedor de picolé, vendedor de utensílios para casa, mas de alguma forma as coisas não pareciam funcionar, mesmo que eu tentasse diversas atividades, aos poucos as portas iam se fechando . Conseguir cuidar da minha família, de uma maneira digna, era cada vez mais difícil, até que chegou um período em que a situação ficou insustentável, e eu passei a depender de outras pessoas para alimentar minha mulher e meus três filhos. Era uma circunstância que me entristecia, afinal, eu deveria ser capaz de ser o responsável e provedor das necessidades daqueles que dependiam de mim. Naquela época, entre 2002 e 2004 meus filhos ainda eram adolescentes e não podiam contribuir com a renda em casa e minha mulher não tinha experiência nenhuma em trabalhar, em boa parte, isso era culpa do meu orgulho machista. 

No início de 2005 sofri um acidente e precisei operar o braço, uma placa de platina e alguns parafusos foram suficientes para me paralisar completamente das poucas atividades que eu fazia para conseguir dinheiro. Meus filhos ficaram aos cuidados de parentes e aos poucos fui me recuperando. Foi então que, durante o período de recuperação, recebi a proposta de um cunhado que morava em São Paulo havia 10 anos: “Vem para cá, rapaz, aqui você vai ser capaz de sustentar sua família, nem que você cate papelão na rua, você vai conseguir mais dinheiro do que consegue por aí”. E assim resolvi aproveitar a oportunidade, eu acreditava que a vida em Pernambuco já tinha dado o que tinha para dar e eu precisava encarar novos desafios. 

Começamos os preparativos e em menos de dois meses estávamos prontos para partir pro desconhecido. Seguimos eu, minha esposa e minhas duas filhas mais novas (o filho mais velho decidiu ficar em Recife na casa de um tio), na mala do ônibus, estavam duas malas de roupas e três caixas: uma com utensílios domésticos, outra com alguns livros e mais roupas e uma última com roupas de cama. Todos os nossos pertences foram vendidos para que pudéssemos ter algum dinheiro para sobreviver às primeiras semanas aqui em São Paulo, cerca de 50 horas de viagem nos separavam da nossa terra natal e nossa nova moradia. 

Diferente do que eu achei a vida aqui não foi tão fácil assim quanto o meu cunhando tinha me falado. Para mim, um homem negro, com mais de 40 anos e sem estudo, era difícil encontrar algum trabalho fixo que pudesse me dar alguma estabilidade. A sorte foi que com o dinheiro recebido da venda da casa em Recife, pudemos comprar um terreno e construir uma casa com três cômodos e banheiro para morar. Foi então que comecei a vender temperos, como colorau, tempero baiano, açafrão, alho e outros. Distribuía para pequenos vendedores em mercearias, vendinhas e de bairro e pequenos supermercados. Essa atividade me ajudou a sobreviver por um tempo, mas era apenas uma sobrevida, vivia da mesma forma que estava vivendo em Pernambuco, com a diferença de estar longe de tudo e de todos que conhecia. Cogitei a possibilidade de voltar ao lugar onde eu pertencia, eu pensava que se fosse para sofrer privações, eu preferia que fosse perto dos amigos e da família, pois pelo menos teria conforto dos meus entes queridos. 

Não foi somente a questão financeira que pesava na minha vontade de voltar. Lá, as pessoas conseguiam ser mais calorosas e aqui as coisas são um pouco diferentes, talvez porque aqui se vive em ritmo acelerado, o tempo todo. Não culpo o povo por isso, mas o paulista tem o pensamento muito voltado para o trabalho e para o individualismo mesmo, enquanto o povo nordestino é mais amigo, mais companheiro. Foi difícil me adaptar até mesmo na igreja que passei a frequentar, tudo erra diferente, a liturgia do culto, o tratamento entre as pessoas. Parecia outro mundo, nem parecia que era o mesmo país. Mesmo tendo um cunhado que já morava aqui, o período de adaptação foi muito difícil, na verdade ainda não posso dizer que estou familiarizado com esse jeito de viver do paulistano, mas sempre disse para mim mesmo e para minha família: “em terra de sapo, de cócoras com ele”, isso quer dizer que já que estamos aqui, vamos viver como eles. 

Cerca de um ano já instalado em São Paulo, consegui arrumar um bico de serralheiro em uma empresa, não era nada registrado, mas depois de muito tempo, pela primeira vez, pude dar à minha família não apenas o arroz e feijão de cada dia. Foi o começo de uma vida digna, de que se você batalhar, uma hora você pode conseguir. Me doía ver minhas filhas e mulher pedirem algo que eu não podia dar, às vezes algo simples. Na mesma época, minha esposa conseguiu um emprego de costureira e então as coisas foram se acertando. Mais um ano se passou e minhas filhas também conseguiram trabalho. Aos poucos, fomos terminando a nossa casa, deixando do jeito que gostaríamos, pudemos equipá-la com coisas que precisamos e coisas que sonhamos, hoje tenho um carro e desfruto de uma vida relativamente confortável e não apenas sobrevivo como há dez anos.

Embora a vida não esteja ruim, ainda tenho muita vontade de voltar para Recife, sei que as coisas não estão as mesmas de quando eu morava lá, mas foi lá que nasci e cresci e é lá que eu quero morrer. É lá que quero terminar os meus dias. Quero poder comer macaxeira da boa, passar o ano inteiro sentindo o calor do sol, sem esse frio que faz aqui em São Paulo. Quero voltar pros meus amigos, para a minha família, por que você não sabe qual a última vez que irá vê-los e morar longe dá uma angústia danada. Mas eu quero voltar, porque não me acostumei com São Paulo, não me acostumei com essa correria, com o individualismo e com a sequidão das pessoas. Só quem é muito apegado a sua terra pode entender que viver longe é como ter um pedaço de seu coração arrancado e eu gostaria de recolocar esse pedaço, me sinto como um exilado, mas no meu caso é por questões financeiras. Mesmo que o Brasil tenha melhorado muito nos últimos dez anos, sei que as condições de vida na minha terra são mais difíceis do que aqui e isso pode atrasar um pouco meus planos. Não posso arriscar voltar para o meu lugar depois de tanto tempo e ainda ter que passar necessidades por lá. Planejo voltar para Recife em uns dois anos e tentar continuar por lá o trabalho que faço aqui de serralheiro e ter condições de sustentar a minha família no nosso canto, na nossa terra.

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