quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Mais um “José” na capital?

Por: Saulo Assis
Zé Maria em sua sala, na TV Cultura / Foto: Saulo Assis

Uma vida de trabalho, empenho e dedicação na batalha contra as adversidades e barreiras sociais 

A sala é ligeiramente pequena, com espaço para apenas uma mesa, duas cadeiras, e um sofá para, no máximo, duas pessoas se acomodarem. Assim é o modesto local de trabalho do nordestino José Maria Pereira Lopes, 65 anos, ou apenas, Zé Maria, como é conhecido no departamento de documentação da TV Cultura – onde se reúne para tratar de assuntos relacionados ao patrimônio histórico da empresa.

Ele coordena o CEDOC da emissora há mais de 30 anos e, mesmo assim, ao longo de todo esse tempo de dedicação à TV, se diz apaixonado e mais que satisfeito pelo trabalho que desenvolve: “pra ficar tanto tempo assim numa única empresa, a pessoa tem que amar o que faz, como no meu caso, que adoro isso aqui”, assegura.

Embora esteja a todo esse tempo na TV Cultura, Zé Maria, inicia sua vida profissional ainda muito jovem, com apenas 16 anos, na Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil, fundada em 1951.

Zé chegou a São Paulo na companhia do casal de tios que o acompanhou da então pequenina cidade do Estado do Piauí, Parnaíba, até a capital paulista, dentro de uma antiga perua modelo – DKW Vemaguet, um carro, para a época, robusto e consideravelmente adequado para enfrentar longas jornadas em estradas de chão batido e sem infraestrutura, do Brasil de 1960.

Nessa viagem, que ele mesmo classifica como uma “aventura”, foram muitos dias na estrada. Saiu do Norte do Piauí, cruzando alguns Estados e muitas cidades do Nordeste, até chegar a São Paulo, onde ficariam, os três, morando de favor, na casa de alguns parentes, até que a situação melhorasse e seu tio conseguisse um emprego e um lugar para que eles se mudassem definitivamente.

 O ano é 1966, e ainda menino, chega à metrópole sem saber ler nem escrever. Jamais havia entrado numa sala de aula antes, lá em sua cidade natal. Nesta época beirava os oito anos. De estatura franzina e olhar assustado, via com entusiasmo o movimento fervilhante e “desorganizado” da cidade grande.

Quando saiu de Parnaíba, deixou para trás os pais, os irmãos, os amigos, e junto à família, deixou também a pobreza, a incerteza, o medo, trazendo consigo, uma vontade imensa de transformar a sua realidade e “ser alguém na vida”, como gosta de sublinhar.

Já instalado em São Paulo, foi admitido no tradicional colégio jesuíta São Luis, na condição de bolsista. Queria recuperar o tempo perdido e, nesse ritmo, logo após o colégio, emendou o curso técnico de topografia e agrimensura, que nesse período, durava em média seis anos, portanto, equivalente a um curso superior.

Por influência de um primo engenheiro, concluiu o curso e pegou o diploma, mas não levaria por muito tempo essa profissão.

O seu primeiro emprego na Tupi, o fez perceber que seu futuro estava definitivamente ligado à televisão. Abandonou a carreira de topógrafo e voltou aos bancos escolares, desta vez, para estudar jornalismo, na antiga faculdade Objetiva. O jornalismo seria uma paixão que o acompanharia para toda a vida.

Acentua que na Tupi, empresa em que ficou até o seu fechamento em 1980, foi onde formou e solidificou suas bases de conhecimento técnico, uma vez que ocupou cargos em quase todos os setores da TV. O último a desempenhar foi o de chefe de programação.

Também destaca de maneira enfática que seu sucesso profissional deveu-se a seu esforço e empenho pessoal, motivados pela imensa vontade de vencer.

Em 1982, já na TV Cultura, se casa. A união com sua esposa é o momento em que José Maria classifica como o mais importante de sua vida. O casamento, segundo ele, lhe trouxe estabilidade emocional, liberdade financeira e, sobretudo, um lar, que a partir de então, poderia ser chamado de seu. Também são frutos do casamento, três filhos e dois netos, dos quais fala com orgulho e alegria.

Não costuma ir à cidade onde nasceu com frequência, e por isso, sente muito. Acha que poderia ser mais presente, com visitas regulares. A última vez que viajou para rever sua família no Nordeste foi poucos meses antes do falecimento de sua mãe, o que ele lamenta.

Embora esteja há tanto tempo em São Paulo, não se esquece da terra em que foi gerado e se emociona ao rememorar casos e fatos antigos. Tem uma vontade irresistível de retornar, mas julga pouco provável. Se diz preso a “todas as coisas que construiu” na capital, ao longo das décadas.

Quando perguntado se acha que compensou e valeu a pena todos esses anos passados aqui na metrópole paulistana, afirma sem hesitar: “Tudo deu certo. Trabalhei muito, me esforcei, me empenhei de maneira sobre-humana, mas no fim deu certo, e me considero, sim, um homem bem sucedido”.


Um comentário:

  1. Parabéns pelo trabalho! Particularmente gostei bastante do depoimento em áudio!

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